08/05/09

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Descobri que meu filho é gay. E agora?
Depois da revelação que um de seus sete filhos era homossexual, a professora Edith Modesto criou uma ONG que ajuda os pais a lidar com essa situação. Em entrevista a ÉPOCA, ela conta que algumas mães pensam até em se matar quando recebem a notícia.
Kátia Mello

Há quinze anos, a filósofa e professora paulista Edith Modesto descobriu que um de seus filhos era gay. Entrou em desespero e começou a se informar sobre homossexualidade. Nesse processo de aceitação, Edith percebeu a dificuldade dos pais em aceitar ter um filho homossexual. Resolveu, então, criar uma ONG, o Grupo de Pais de Homossexuais, que atende homens e mulheres que sofrem e têm dúvidas em relação à homossexualidade de seus filhos - um trabalho único no Brasil. Ela conta que, apesar dos avanços sociais no tema diversidade sexual, quando o assunto entra nos lares, tudo muda de figura. "As mães negam, têm culpa, ficam perdidas. Algumas adoecem e até pensam em suicídio", afirma. Em seu novo livro, "Mãe sempre sabe?" (ed. Summus), a escritora fala das fases enfrentadas pelos pais em emocionantes relatos.

ENTREVISTA – EDITH MODESTO


QUEM É
Paulistana, tem 71 anos. É casada e mãe de sete filhos

O QUE FAZ
Filósofa, professora da USP e presidente da ONG Grupo de Pais de Homossexuais (GPH). Lançou os livros Vidas em Arco-Íris (Editora Record) e Mãe Sempre Sabe? (Editora Summus)

ÉPOCA – Se compararmos a aceitação da homossexualidade na sociedade e na família, onde ela mais avançou?
Edith Modesto -
Dentro de casa avançou menos. Hoje já vemos homossexuais nas novelas, o assunto diversidade sexual não é mais um tabu. Mas dentro de casa tudo muda. É a velha história: e se fosse o seu filho? Conheço mulheres que durante a vida tiveram amigos íntimos homossexuais e um dia, ao se deparar com um filho gay, enlouqueceram, não aceitaram. Elas mesmas não entendem. Na semana passada, uma psicanalista especialista em sexualidade me procurou no GPH ao descobrir que a filha é lésbica.

ÉPOCA – A que você atribui essa dificuldade?
Edith -
O preconceito está enraizado em todos nós, de alguma forma. Quando entra na nossa casa, mexe com as nossas expectativas em relação a um filho. É quando o nosso sentimento real, e não aquele da pesquisa feita na rua, que respondemos em tese, entra em cena.

ÉPOCA – Homossexuais ainda são expulsos de casa?
Edith -
Sim, mas é mais raro. Hoje existem dois motivos de vergonha na cabeça desses pais. A de sempre: ter um filho gay ou uma filha lésbica. E uma nova: a de radicalizar a situação, expulsar o filho de casa ou bater nele, como acontecia muito no passado. Como a sociedade avançou, os pais ficam entre uma coisa e outra. Mantêm o filho em casa, mas não aceitam a homossexualidade dele. O resultado é que a pressão no lar passa a ser maior ainda.

ÉPOCA – Pais e mães reagem de forma diferente?
Edith -
Sim. Como é nossa cultura? A mulher é mais afetiva, mais compreensiva. Os homens são mais frios, mais machistas - embora as mulheres também sejam e repassem este comportamento para os filhos. Quando se sabe que um filho é homossexual, de uma forma geral, a reação de ambos é ruim. Porém os homens tendem a atitudes mais agressivas ou se isolam do problema, enquanto que as mulheres enfrentam a questão que mais se aproxima de uma aceitação. Claro que há exceções.

ÉPOCA – Muda alguma coisa para os pais se é o filho ou a filha que se declara homossexual?
Edith -
Eu tenho observado que para os pais é mais difícil ter um filho gay do que uma filha lésbica. Um pai, quando coloca um filho no mundo, quer que ele seja seu espelho. Quer a continuidade daquela linhagem. Somado ao machismo, fica uma situação muito difícil. Se a filha é lésbica, os pais acreditam que será mais 'disfarçável', já que ela pode ter amigas, demonstrar afeto, dormir juntas. Se o rapaz pega na mão do amigo, o mundo cai. Por isso as lésbicas jovens tendem a ficar dentro do armário por mais tempo.

ÉPOCA – Quais as fases mais comuns pelas quais passam os pais dos homossexuais?
Edith -
A fase da descoberta é, naturalmente, a pior. Todas as pessoas do mundo foram criadas e se prepararam para ter filhos heterossexuais. Ninguém foi preparado para ter filho gay. Quando se vê uma mulher grávida, ninguém pergunta se é menino, menina ou homossexual. Então, a fase da descoberta é cercada, para a grande maioria, de culpa e negação.

ÉPOCA – E como é a negação?
Edith -
Muitas acreditam piamente que se trata de algum problema psicológico, de uma fase de experimentação ou mesmo de safadeza. Tentam mostrar ao filho que existe um caminho melhor. Isso é o padrão e eleva o nível de sofrimento para todos. Às vezes, a aceitação demora muito tempo. Outras entram logo na fase de tentar saber tudo sobre gays e lésbicas.

ÉPOCA – Como é o trabalho da ONG?
Edith -
Basicamente solidariedade. A gente não julga e nem faz militância. São as mães que nos procuram, pais são mais raros. Há mulheres que entram no grupo com a seguinte frase: eu prefiro morrer. Algumas ficam muito doentes. Conheci uma que parou de comer e de menstruar. Outras tentam suicídio. Nesses casos extremos, vemos que ela vivia vários problemas ao longo do tempo e a descoberta da homossexualidade do filho foi a gota d'água. Temos encontros periódicos, alguns na minha casa mesmo. Dá um ar de amizade e mostra que é um grupo de ajuda mútuo.

ÉPOCA – Como essas mães costumam sair da ONG?
Edith -
Normalmente há três caminhos. Aquela que não aceita de forma alguma e que vai embora e rompe com o filho - felizmente, a minoria. Aquela que, depois de aceitar, vira uma militante da causa homossexual. E um meio termo: a mãe que aceita, mas ainda sofre, tem altos e baixos. Esta é a que está pronta para trabalhar conosco como voluntária, que nós chamamos de 'mãe facilitadora'. Ela pode compreender melhor a situação de outras mães que nos procuram, sem querer pular etapas ou panfletar.

ÉPOCA – A panfletagem atrapalha?
Edith -
Bastante. Dou um exemplo: esta semana a diretora de uma escola aqui de São Paulo me procurou, contando que um menino de 13 anos estava apanhando na escola e em casa, por mostrar traços de homossexualidade. Ela levou o menino até nós. Agora eu quero conhecer esta mãe, conversar com ela, trazê-la para o nosso grupo. O que faria um militante? Um boletim de ocorrência, com certeza. E isso não resolveria a questão. Não estou dizendo que a militância não seja necessária. Ao contrário, é importantíssima. Mas para este tipo de trabalho, não dá certo. Ao nosso jeito, às vezes conseguimos milagres. Já acalmamos até mães evangélicas, que acreditavam que o filho estava com o diabo no corpo.

ÉPOCA – Existem outros grupos que fazem o mesmo trabalho que a ONG?
Edith -
Não conheço nenhum outro, nem no Brasil e nem na América Latina. O que há são muitos grupos de militância. Nós apoiamos esses pais num momento em que estão perdidos. E, apesar disso, não temos verba ou patrocínio. Tenho financiamento no meu projeto de jovens, que é a outra ponta do meu trabalho, porque há um componente de saúde, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, etc. Mas e os pais, como ficam?

ÉPOCA – Afinal, mãe sempre sabe?
Edith -
Não acredito nisso, daí ser esta a pergunta-título do meu livro. Se soubessem mesmo, a surpresa e a reação negativas não aconteceriam. É um mito. Ela só desconfia quando o filho dá dicas. E muitas vezes eles dão, e passam a acreditar que a mãe já sabe, enquanto que, na verdade, ela só tem alguns sinais. Muitos jovens nos dizem que a mãe já sabe e aceita. É um conforto para eles. Só que na maior parte das vezes elas não sabem. Chega uma hora em que a situação se precipita, elas perguntam e eles contam. Aí é que começa o problema.

ÉPOCA – A senhora começou a fazer esse trabalho por causa do seu filho, que é homossexual. Passou por todas essas fases?
Edith -
Por todas e mais algumas! Eu só não pensei em me matar, porque tinha outros seis filhos. Mas me desesperei. Foi uma surpresa enorme. Ele nunca me deu nenhuma dica, se comportava como os meus outros filhos homens, tanto em casa quanto na escola. De repente percebi que ele nunca tinha namorada, aí desconfiei. Eu era muito preconceituosa. Achava que isso só acontecia na família dos outros. Fui melhorando aos poucos, com a vida e com esse trabalho.

ÉPOCA – O que você fez?
Edith -
Fui para a internet. Quis saber quem eram essas pessoas, já que meu filho era uma delas. Entrei para um fórum de homossexuais e ficava lendo tudo. Um dia me apresentei e contei o que eu estava passado. Eles tiveram muita paciência comigo, conversaram, trocaram ideias. Então eu quis conhecer as mães deles. Elas foram as primeiras do meu grupo. Depois de um tempo, eu entrevistei 89 homossexuais de 14 a 62 anos e reuni seus depoimentos no meu primeiro livro, Vidas em Arco-Íris. Confesso que todo o meu trabalho ajuda muitas pessoas, mas eu comecei tudo para me ajudar. Deu certo.

ÉPOCA – E como ficou a relação com seu filho?
Edith -
Muito boa. Eu acho que ele é uma pessoa privilegiada. É aceito na família e na universidade, onde dá aulas. Não me engano que todo mundo aceite. Hoje, o politicamente correto é que manda, mas não sabemos o que vai na cabeça das pessoas. Eu costumo dizer que eu preferia não ter um filho homossexual. Já me crucificaram por dizer isso, mas eu repito. Não é fácil ser diferente. Não é fácil ver um filho sofrer por ser homossexual. Como gostar de ver um filho ter que enfrentar esse obstáculo a mais quando a vida já é cheia deles? Eu espero que daqui a algum tempo a diversidade sexual esteja natural e que mães como eu não tenham que preferir coisa alguma.

Fonte: Revista Época

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